O valor do trabalho
Quanto valemos? Quanto vale o nosso trabalho? Qual é o nosso preço justo?
A semana passada recebi uma chamada para ir a uma entrevista para um part time a que me tinha candidatado em Dezembro. Nesta fase do campeonato seria mesmo ouro sobre azul, conseguir completar a minha atividade como freelancer com um part time na área.
Lá fui eu, fiz o trabalho de casa, investiguei um pouco a empresa e até estava entusiasmada. Mostrei o meu portfólio em formato digital (obrigada tia pelo tablet) e respondi a algumas perguntas. Perguntei quantas horas diárias seriam, responderam 4h, da parte da tarde o que para mim seria o ideal. Mas fui logo "avisada" que as 4h se poderiam estender para além disso, se bem que fizessem questão que ninguém ficasse depois das 20h. Esta conversa é recorrente na minha área. Parece que só é bom profissional quem ficar para depois da hora e parece de bom tom haver sempre coisas para resolver à hora de saída. Lamento, mas um bom profissional organiza sempre bem o seu tempo de modo a fazer as suas tarefas em horário de trabaho. Claro, que há excepções mas lá está, são excepções e não a regra. Bem, estão a ver o filme. Entrava às 14h30 e ficava até às 20h. Rico part time, certo?
Depois perguntei se seria a contrato e ouvi um relambório acerca de uma funcionária que tinha sido passada para o quadro e que tinha feito tudo o que não devia - engravidar, gozar a licença e ainda faltar quando o filho estava doente. Imaginem o atrevimento, péssima funcionária, sem dúvida alguma. Portanto, nada de contratos, recibos verdes e é se queres. Agora façam as contas comigo. No mínimo 130€ para a SS, depois 25% de retenção na fonte já que arquitetura é uma das profissões em que a retenção atinge o máximo, embora não perceba bem porquê. Portanto se eu ganhasse 400€, um valor "bom" para um part time, ficaria, descontos feitos com 170€ por mês. Ena pá, tanto.
Perguntam-se se pensei em valores, eu digo que não e fico de enviar uma proposta, sendo que num universo de 3 candidatos finalistas o ordenado pedido será fator decisivo. Ouço um discurso sobre o estado da arquitetura e as agruras da profissão. Juro que por momentos pensei que estava a ouvir o meu ex-patrão que nadava em dinheiro qual tio patinhas mas que se queixava sempre. Agradeci a entrevista e vim embora.
Fui buscar a Pinypon e vim para casa a matutar naquilo. Nem sabia com o que devia ficar mais ofendida, se com a componente descriminatória da conversa sobre o "engravidar", se com o rebaixamento da profissão que escolhi. Se for a fazer as contas, a empregada doméstica da minha avó ganharia mais que eu, sem ter uma licenciatura, sem ter gastos com material, sem ter responsabilidade civil no decurso da sua atividade profissional. Chamem-me idealista, ingénua, alheada da realidade. MAS, parece-me que há valores dos quais não devemos abdicar se queremos trabalhar na nossa profissão. Caso contrário, mais vale trabalhar numa loja de roupa, há contrato, ganha-se mais, também se trabalha muito mas ao menos não queimo os fusíveis nem me preocupo se a casa cai. Não tenho de ler carradas de legislação, não tenho que esperar séculos por respostas das entidades, não tenho de lidar com outras áreas profissionais.
De qualquer modo, fiz a minha parte e enviei a minha proposta, sem olhar a fatores intimidatórios, um valor por hora que achava justo receber pelo meu trabalho e pela minha experiência profissional. Porque sei que sou uma profissional completa, nunca me limitei a ser desenhadora das ideias dos outros e contrariamente a muitos colegas, sempre acompanhei todas as fases dos projetos. Por isso, sei o que valho e foi mediante isso que enviei a minha proposta. Se acharem muito... bem, eu fiz a minha parte.
Portanto, cá continuarei eu em regime freelancer. Já sabem, se precisarem de uma arquiteta, cá estou eu.
xoxo
cindy